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DALMO DE ABREU DALLARI (professor emérito da Faculdade de Direito da USP. Foi secretário de Negócios Jurídicos do município de São Paulo na gestão de Luiza Erundina)
TEM SIDO muito frequente o noticiário de violências cometidas por menores ou contra eles em horários noturnos, período que é muito propício à reunião de adolescentes em locais que estimulam o consumo de álcool ou a circulação de drogas.
Daí a necessidade de uma proteção especial, que não seja opressiva e não cerceie os direitos fundamentais do adolescente, mas que lhe dê segurança, evitando que ele seja vítima dos que abusam de sua inexperiência ou, então, de suas ingênuas fantasias de independência ou coragem.
E tem sido frequente que, no noticiário de violências envolvendo menores, venha a informação de que os pais e as mães ficaram surpresos quando receberam a notícia de que seus filhos ou filhas estavam sujeitos a esse tipo de envolvimento.
Por uma série de razões, muitas vezes a proteção da família é insuficiente, mesmo que o menor viva em um ambiente familiar saudável, pois existe sempre a possibilidade de outras influências, sobretudo quando o menor começa a ter vida independente.
Foi pelo reconhecimento desses riscos e dessa insuficiência que se incluiu na atual Constituição brasileira, no artigo 227, um dispositivo segundo o qual é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente seus direitos fundamentais, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Assim, pois, é dever do Estado adotar as medidas necessárias para que os menores não sejam expostos a situações em que existe o risco de que venham a ser vítimas de alguma espécie de violência.
Para o cumprimento dessa obrigação constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente, lei federal nº 8.069, de 1990, estabeleceu regras pormenorizadas sobre a garantia dos direitos da criança e do adolescente, incluindo a adoção de iniciativas visando possibilitar o efetivo gozo dos direitos, mas prevendo expressamente que tal gozo fique sujeito a condicionamentos legalmente impostos, admissíveis nos casos em que a experiência mostre que são recomendáveis ou mesmo necessários para que seja evitada a exposição dos menores a abusos e violências.
Com efeito, no capítulo segundo do ECA, que trata “Do direito à liberdade, ao respeito e à dignidade”, encontra-se, no artigo 16, uma referência expressa ao direito à liberdade de locomoção, nos seguintes termos: “O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: I- ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais”.
Reafirma-se aí o direito à liberdade de locomoção, mas, tendo em vista a especial necessidade de proteção dos menores, existe a previsão de limitações legais.
Foi com fundamento nessas disposições constitucionais e legais que juízes da infância e juventude, em colaboração com os conselhos tutelares, tomaram a iniciativa de fixar condições para a circulação noturna de crianças e adolescentes.
As regras fixadas não impedem o exercício do direito de locomoção no período noturno, mas estabelecem condições razoáveis, tendo em conta o risco de violências a que ficam sujeitos os menores nesse período, como a experiência comprova amplamente.
Com tais medidas, continua garantido o direito à liberdade de locomoção e, ao mesmo tempo, os menores ficam a salvo de situações de violência, o que, por decorrência, contribui para reduzir a violência na sociedade.
Por tudo isso, a adoção de medidas especiais de proteção dos menores no período noturno, que a imprensa vem identificando, com evidente impropriedade, como “toque de recolher”, tem claro fundamento na Constituição e na lei e, sem nenhuma dúvida, é uma contribuição valiosa para evitar que os menores sejam utilizados para a prática de violências contra eles próprios e contra toda a sociedade.
(artigo publicado em setembro de 2009 na Folha de São Paulo)
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