segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Não, Datena, não temos Deus no coração

http://bulevoador.haaan.com/2010/07/28/nao-datena-nao-temos-deus-no-coracao/

Autores: Pedro Almeida e Eli Vieira

Editor: Pedro Almeida

Não admira que um bordão do tipo “ter Deus no coração” faça sucesso num país como o Brasil, onde 60% da população não votaria num ateu e mais de 40% declara ter antipatia ou ódio pela categoria dos descrentes.

A associação entre imoralidade e falta de religião é antiga, mas até hoje não tem base científica alguma, muito pelo contrário, os estudos científicos publicados de alguns dos melhores pesquisadores no assunto apontam categoricamente que moralidade independe de religião.

O intrigante nesta história não é perceber que alguns permanecem cegos diante desta evidência, mas constatar que certos indivíduos ainda usam desta inverdade para fazer lobby, criar sensacionalismo e instilar ódio, bem ao estilo bíblico.

“Paradoxalmente, as religiões no mundo (…) mais parecem separar do que unir.”

Admira-nos que alguém levante a frase “isso é coisa de quem não tem Deus no coração” diante de um ato de barbárie, para fazer associação da crença em Deus ao bem, quando observamos ao longo de toda a História da humanidade muitas barbáries que foram feitas em nome de Deus ou deuses.

É de conhecimento histórico insofismável que Hernán Cortés e Francisco Pizarro chegaram à América com a espada numa mão e a cruz na outra.

Paradoxalmente, as religiões no mundo, assim como as espadas de Cortés e Pizarro, mais parecem separar do que unir. Deus, se existe, não parece dar a mínima: nem apoiar um dos lados para que o outro “perca” ele faz. Talvez se divirta observando. Ou talvez Deus adore assistir o festival de barbaridades e o circo de exposição da violência que é, também, o programa do Datena.

“É realmente sua religião que te dá balizamento moral?”

Como não cabe ficar falando mal do que não existe e, portanto, não pode se defender, voltemos ao foco: nós não temos deus nenhum no coração. Isto faz de nós marginais? Criminosos? Propensos a sair matando, estuprando e roubando? Estranho que alguém pense que sim, porque abominamos crimes hediondos como todo ser humano que seja reto, independente da religiosidade.

São intrigantes, também, os fatos de a massa carcerária ser composta, em sua maioria esmagadora, por pessoas “com Deus no coração” e de países com índices de alta religiosidade também serem países de alta criminalidade.

Nossa pergunta vai então para você, que acha que não se separa ateísmo de imoralidade: é realmente sua religião que te dá balizamento moral? Como você separa o que é certo ou errado nas doutrinas básicas da sua religião, sejam elas vindas da Bíblia, do Corão, da Torá, do Livro dos Espíritos, ou qualquer outra escritura? Dúvida legítima, pois é evidente que a moral mudou nos últimos séculos por aqui, não é mais o que está escrito nestes livros, não somente e muito menos inteiramente. Os mandamentos bíblicos não se limitavam aos dez famosos, e costumavam ser aplicados sob circunstâncias dúbias, incluindo apedrejamentos para adúlteros e filhos desobedientes. Tudo sob a tutela divina, mas pelas mãos do homem crente.

“Pessoas que só fazem o bem se estiverem sob o policiamento onisciente (…), fica uma dica: espero que continuem na igreja.”

José Luiz Datena, se não tivesse Deus no coração, seria então um criminoso, mau-caráter e bárbaro? Juntar-se-ia à massa de inescrupulosos que ele tanto critica em seu programa? Se a resposta é sim, então ele critica única e exclusivamente porque é temente a Deus, e não porque ele sente que privar outras pessoas do direto à propriedade, à vida, à liberdade de expressão, entre outros, é essencialmente e visivelmente errado.

Desde Sócrates os filósofos sabem que procurar pela vontade dos deuses para saber o que é o bem é um beco sem saída. Mas o Datena não é exatamente genial em filosofia, é? É um jornalista que diz em tom messiânico que ele é a voz de uma coisa que ele chama de “povo”. Será que este tal “povo” está sabendo disso? Crucifica-te a ti mesmo, Datena.

Para pessoas como ele, que só fazem o bem se estiverem sob o policiamento onisciente de uma entidade imaginária (i.e., Deus), fica uma dica: espero que continuem na igreja. Não ousaria outro conselho, arriscando o bem da sociedade com pessoas que alegam ter pura obediência a autoridade no lugar de noção moral secular.

“Não temos mesmo Deus no coração, sob o risco de ainda sermos orgulhosos disto.”

No Twitter de Datena, os comentários resumem-se ou a esporte ou a sangue, temas igualmente repetitivos na TV aberta brasileira. Pessoas deste calibre pensam que o “povo” deve ser “mordido” com tragédia e depois “assoprado” com futebol. E nesta programação, de vez em quando, atacar minorias como os homossexuais e os ateus gera alguns pontos de audiência. É a velha mentalidade medieval de quem ia às praças públicas, séculos atrás, para assistir as bruxas sendo queimadas vivas sob a Inquisição, sem questionar nada, sem se perguntar de onde vem essa tal condenação moral dos descrentes que figuras públicas como o Datena exibem como um pavão exibe sua cauda. Se ele é, como alega, a voz do “povo”, este “povo” tem a TV que merece.

Reafirmamos: não temos mesmo Deus no coração, sob o risco de ainda sermos orgulhosos disto. No coração de alguns, além de caber um Deus, também sobra bastante espaço para o ódio. Antes um coração ateu que um coração cheio de ódio e um cérebro de ameba.

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