segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Datena: Dispositivos Legais

http://bulevoador.haaan.com/2010/07/30/datena-dispositivos-legais/

Autor: Pedro Almeida

Aos leitores do Bule Voador e aos demais ateus do Brasil, a todos aqueles que se sentiram diretamente ofendidos pelas declarações do apresentador da Rede Band José Luiz Datena em cadeia nacional, no programa do dia 27 deste mês.

Como foi muito discutido e pedido nos comentários [4] do texto a respeito publicado aqui ontem, “Não, Datena, não temos Deus no coração”, aqui se encontra um resumo básico de alguns dos dispositivos legais que vocês podem lançar mão se quiserem demonstrar, diante da Justiça, a indignação com o preconceito e discriminação apresentados por Datena publicamente.

Primeiramente, cabe destacar que infelizmente a LiHS ainda não possui personalidade jurídica para representar o grupo de ateus a quem estas declarações atingiram. No entanto, as ações podem ser tomadas individualmente ou em grupo sob representação.

Numa primeira alternativa, segundo nosso colega Rogerio Fernandes Duarte, é possível pedir um direito de resposta. Este direito era embasado pela Lei 5250/1967 em seu artigo 29:

Lei 5250/1967:

DO DIREITO DE RESPOSTA

Art . 29. Tôda pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade pública, que fôr acusado ou ofendido em publicação feita em jornal ou periódico, ou em transmissão de radiodifusão, ou a cujo respeito os meios de informação e divulgação veicularem fato inverídico ou, errôneo, tem direito a resposta ou retificação.

No entanto, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) ADPF 130-7 modifica os efeitos da lei da seguinte forma:

[...] EFEITOS JURÍDICOS DA DECISÃO. Aplicam-se as normas da legislação comum, notadamente o Código Civil, o Código Penal, o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal às causas decorrentes das relações de imprensa. O direito de resposta, que se manifesta como ação de replicar ou de retificar matéria publicada é exercitável por parte daquele que se vê ofendido em sua honra objetiva, ou então subjetiva, conforme estampado no inciso V do art. 5º da Constituição Federal. [...] (ADPF 130-7)

Isto não quer dizer que o direito de resposta foi abolido, mas mudou de procedimento, estando ainda legitimado no caso de ofensa, como declarado no inciso V do artigo 5º da Constituição, que diz:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

Cria-se somente um vácuo jurídico (não existe lei específica, neste caso, ao contrário do que acontece com o direito de resposta eleitoral, por exemplo, que é embasado por lei específica, artigo 58 da Lei 9504/97).

Segundo Rogerio, ainda, resume-se o direito de resposta às disposições:

* O direito de resposta continua vigente;

* O advogado continua imprescindível;

* Pode-se requerer o benefício da justiça gratuita;

* Há controvérsia sobre se a competência é da vara criminal ou cível;

* É de suma importância reunir alguma evidência, tal qual um vídeo das declarações de Datena.

* Aplica-se em analogia o Art. 14 do Pacto São José da Costa Rica e o Art. 58 da Lei 9504/1997 (REsp 885248 do STJ)..

Noutra alternativa jurídica, nosso colega Rodolfo Vietti, que comentou veementemente no texto supracitado, sugere que há também a possibilidade de um processo criminal, embasado pela Lei 7716/89 em seu artigo 20, que discorre:

Lei 7.716/86:

Define os Crimes Resultantes de Preconceitos de Raça ou de Cor.

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Pena: reclusão de um a três anos e multa.

Dado o embasamento jurídico, Rodolfo sugere que “nos cabe noticiar o crime para a instituição competente para ver processado o ofensor. No crime em tela, por ter repercussão nacional, e por ofender bens difusos e impossíveis de serem individualizados, cabe ao Ministério Público Federal (MPF) mover a correta ação Penal contra o Datena. (…) Quanto às medidas cíveis, as ofensas do Datena foram absolutamente genéricas, ninguém foi ofendido diretamente. Isso dificulta a propositura de uma ação indenizatória ou semelhante.

Isso garante que, pelo menos na esfera criminal, pode haver uma ação contra o ofensor (Datena) a partir de ação do MPF. Rodolfo prossegue, inclusive citando o direito de resposta que foi sugerido por Rogerio, sob o respaldo constitucional:

“O que eu recomendo, antes de mais nada, é buscar a Defensoria Pública [1] a fim de que o caso seja estudado, pois a Def. Pub. tem legitimidade e poderes para ações deste porte e dimensão. Resta decidirmos se será a Defensoria Pública da União, em razão da amplitude das ofensas, ou se a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, local de onde o Datena proferiu as ofensas, onde ele reside, e onde está situada a Rede Bandeirantes. Dependendo da posição das Defensorias Públicas, teremos uma base melhor para decidirmos quais medidas cíveis deveríamos tomar, inclusive no que se trata de direito de Resposta, previsto no artigo 5°, inviso V, da Constituição Federal.

Dadas estas orientações, ficam aqui as disposições àqueles que decidirem tomar as ações cabíveis, individualmente, em grupo ou sob representação.

Sugiro a todos que enviem uma notícia-crime ao Ministério Público Federal (MPF) e à Procuradoria da República em São Paulo (PR), descrevendo a situação (deixo ao fim um texto sugerido por Rodolfo que eu modifiquei em alguns pontos, para exemplo de descrição da alegação), a partir dos sites referenciados abaixo em [2] e [3]. “Devemos apresentar as representações em ambos os âmbitos, mesmos sendo uma instância superior à outra, como medida de assegurar o cumprimento da lei“, segundo Rodolfo.

Preencham corretamente as fichas e redijam seus próprios textos de descrição, mas colocando ao final do texto sempre as seguintes citações:

DATENA infringiu o disposto no artigo 20, parágrafo 2°, da Lei 7716/89″ e expressem o desejo de “que o JOSE LUIZ DATENA seja processado, julgado e condenado nos termos da Lei”.

Segundo o Rodolfo, dificilmente o MPF ficará inerte caso muitas pessoas façam a mesma denúncia.

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Links de Referência:
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[1] Site da Def. Pub. de SP – Núcleo de combate à Discriminação – Núcleo Especializado de Combate a Discriminação, Racismo e Preconceito da DPE/SP.
[2] MPF – Central de Atendimento Eletrônico ao Cidadão – Façam aqui a denúncia!
[3] PR/SP – Digi-Denúncia – Façam aqui a denúncia!
[3] Comentários relevantes no texto publicado no Bule “Não, Datena, não temos Deus no coração”.

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Atualização: transcrição das falas do Datena contra os ateus:

http://palidopontoazul.com.br/2010/07/30/transcricao-das-falas-de-datena-contra-os-ateus/ (via ATEA)

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Gostaria de agradecer à contribuição do Rogerio Fernandes Duarte e Rodolfo Vietti, e aos demais que demonstraram interesse em mover uma ação no texto que publicamos.

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Texto base (exemplo com base no comentário do Rufa – Rodolfo Vietti):

Ilustríssimos Senhores Doutores Membros do Ministério Público Federal

Este cidadão de bem que vos fala, brasileiro e ateu, se sentiu profundamente ofendido diante das declarações proferidas no dia 27 de julho de 2010 pelo apresentador televisivo José Luiz Datena em seu programa de televisão veiculado pela Rede Bandeirantes em cadeia nacional.

O apresentador dedicou boa parte de seu programa para denegrir a imagem de pessoas de bem que, por apenas não terem as mesmas crenças que ele, não mereciam então ser respeitadas e deveriam ser alvos das agressões veiculadas em rede nacional.

Dentre as alegações do ofensor, destacamos as seguintes:

- Quem comete um crime bárbaro é porque não tem Deus no coração

- Ateus, sem a coerção da crença religiosa e achando-se o “próprio Deus”, não tem limites morais

- Quem não crê em Deus é capaz de cometer os piores crimes

- Quem não crê em Deus não devia nem assistir ao programa dele

- Quem tem Deus no coração não comete “barbaridades”, ao contrário de quem não tem.

_ O mundo só está ruim assim por causa das pessoas que não acreditam em Deus.

Ao longo do programa, o ofensor decidiu montar uma enquete em tempo real, onde os telespectadores deveriam ligar e responder se acreditavam ou não em Deus.

Quando o número de espectadores que ligavam respondendo negativamente à questão alcançou a marca de mil, Datena interveio e se disse chocado com a quantidade de gente que não acreditava no seu Deus particular, dizendo ainda que “Quem votou “NÃO” na enquete devia estar votando de dentro da cadeia”.

Datena ainda instigou os telespectadores a continuar ligando e a votar “SIM”, pois só desta forma o “bem” venceria o “mal”, associando ateus aos piores inimigos da humanidade.

Cumpre esclarecer que o Ateísmo é posição estritamente teológica de não crença em sobrenatural e deidades de qualquer tipo, não respondendo pelas atrocidades que o apresentador cita. A moral de qualquer ateu é dita secular, pois é separada da religião e da crença, e invariavelmente se baseia nos modelos do humanismo secular, voltado para nada senão o bem da humanidade, através do desenvolvimento da ciência dentro dos padrões éticos e morais aceitos universalmente, nunca tomando como “verdades absolutas” dogmas ou imposições religiosas sem antes ponderá-las e valorá-las.

Em outras palavras, todo ateu é simplesmente um não crente em deuses, o que não diz nada sobre as alegações de imoralidade, que foram comprovadamente (em estudos científicos diversos) separadas da noção religiosa.

Num país de livre crença ou descrença e laico como o Brasil, as diferenças religiosas deveriam ser respeitadas inclusive estendendo-se aos que não tem qualquer religião, que representam atualmente quase 10% da população.

O que o Apresentador Datena fez foi de grande desvalor. Primeiramente pelo tamanho desrespeito às crenças diversas das suas, abusando completamente do seu direito de livre expressão, transformando esse direito em uma aberração jurídica que o permitiu desonrar enormemente uma grande parcela da população que nada quer senão o bem estar social ou a simples liberdade de não ter crenças.

Em um segundo momento, ao proferir seu discurso proselitista, o ofensor impele a população a aprofundar ainda mais seu ódio e desconfiança na comunidade ateísta brasileira, comprovados através de diversos estudos que apontam que os ateus são a categoria mais mal vista no país.

Tal abuso é incalculavelmente irresponsável, podendo instigar o cometimento de crimes e discriminações já antes vistas na história recente do mundo.

E em um terceiro momento, o Apresentador ofendeu diretamente a honra de cada ser humano que simplesmente não consegue acreditar nas mesmas idéias que ele acredita, ou seja, aqueles que não acreditam no mesmo Deus que ele inclusive.

Assim sendo, diante de todo o exposto acima, formalmente REPRESENTO contra o Senhor JOSÉ LUIZ DATENA perante Vossas Excelências, a fim de que ele seja processado, julgado e, por fim, condenado nos termos da Lei, como medida de Justiça e de Direito, bem como de humanidade, visto que ele infringiu o disposto no artigo 20, parágrafo 2°, da Lei 7716/89.

Grato

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